quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Riscadaaaaaaa.

Terça feira perto das 22:00h o telefone toca. "Ué, o que o Bruno quer?"
- Fala dotô
- Já sabe o que vai fazer no feriadão? (sexta feira era feriado santo e segunda Tira Dentes)
- poh ainda não parei pra calcular.
- então vamos pra pedra Riscada em Minas.
- Blz, vou dar uma olhada onde fica certinho e te ligo amanhã.

Arestão da Place of happinnes a esquerda e filhote a direita.
    Quinta feira 17:30h estava saindo de Nova Veneza, sul de SC. Passei em Garopaba, peguei o Bruno e partimos em direção ao leste de Minas Gerais, próximo a divisa com Espirito Santo.
O tempo era curtíssimo apenas 4 dias no total. Tinhamos 2080km pra rodar até chegar a base da Riscada. Tocamos praticamente sem parar, tomando mate, café e o Bruno lendo o croqui pra mim pois nem sabia direito onde estava me enfiando.
De frente linha da Divina Liberdade.
 É incrível mas as minhas melhores escaladas foram com este cara e neste estilo, "onde vamos? não sei, vamos indo". Vamos pra Rio dos Cedros? bóra. Poh olha ali a Pedra Branca, entra ai e esquece Rio dos Cedros. Bóra pra Los Gigantes? bóra, poh já que estamos aqui na fronteira acho que Frey agente escala mais né. bóra. E assim vai, estudando "pouco" o que vem pela frente e descobrindo o caminho no meio dele. Deixando de ouvir alguns mitos que são piores do que um seg que não libera a corda na hora do crux. Da mesma forma que aconteceu em Salinas; entramos de cara na Arco da Velha D4 6º VIIa E3 700m , o Bruno estava "ligado" no que passa, mas eu não tinha nem noção do que tinha pra cima e depois que escalei fui saber que tinha que aclimatar antes, que a via era um mito, mas poh, ninguém avisou antes de eu entrar na via, e deve ser por isso que fluiu a via toda com a boca na orelha, curtindo cada cordada (não que seja de graça), e olha que já passei perrengue em vias ultra expostas e a proteção estava no pé. Tome muito cuidado com os super homens pois na escalada tradicional o que te leva pra cima é a mente. Como diz o Chiquinho, ninguém tem 3 côcos.
 
  Saímos numa quinta feira final de tarde e chegamos no sábado as 5 da madrugada, quase sem parar, de frente a muralha de mil metros. Cheguei acabado, fui dirigindo toda a viagem e por incrível que pareça eu tentei bivacar até umas 6 da manhã mas não preguei os olhos, estava adrenado da viagem e o Bruno pregado do meu lado (que inveja) no meio de um gramado rodeado de vacas.
   Quando o Bruno me convidou eu pensei bem (não muito bem mas pensei) em todo o trajeto, mais de 4 mil km pra rodar, mais de 1000m de parede pra escalar. Mas estava com planos de me jogar pra Chaltén no final do ano e precisava entender um pouco como meu corpo e minha mente reagiria quando totalmente fora da zona de conforto, em dias de atividades intenças dormindo mal ou quase nada, se alimentando daquele jeito. Um treinamento patagônico.
   Saímos procurando a face da via Divina Liberdade D5 5º VIIa E3 1100 ao amanhecer, estava do outro lado, na face oeste. Enchemos as garrafas d'água depois de um tempo procurando e acabamos entrando na via por volta das 10 da manhã.

Início da via
A ideia era escalar rápido, em um dia. Levei um mochila de 9L com um anoraque, 3L de água, um pacotinho de sementes e 2 barras de carboidratos. Iniciei guiando a primeira cordada, pra mim um dos crux da via, um sextinho chato nuns cristais polidos e as proteções esticadas. Mas fluiu, pois é apenas negociação e burocracia, devagar vai numa boa. Bruno tocou a segunda, eu a terceira que já faltou corda pois pedia no croqui 2 cordas de 70m e fomos com 2 de 60m tendo que sair em simultanio em quase todas cordadas.

Primeira cordada delicada e esticada
 O crux ficou pro Bruno, um 7a trabalhoso, ria atoa por ter caído pra ele (como se eu não tivesse calculado antes de pegar a ponta da corda no início né, rs). Mas acabei me ferrando pois o primeiro podia cair numa boa, mas o segundo saindo com 60m de corda esticada e o crux a 5m de um platô gigantesco cair era a última opção, ia se espatifar no platô com certeza. Nessa cordada já senti bastante, estava muito desgastado da viagem e não me senti mais seguro guiar naqueles esticões e passei a bola pro                                                                                                            Bruno.

 

As 3 horas da tarde chegamos no grande platô da P9, 500m de via. Já estava tarde demais pra tentar em um dia, na verdade saímos tarde demais e acabamos escalando mais lento pois eu estava me arrastando pela parede que não cessava nunca, em pé. Além de um sol de rachar com a temperatura acima dos 30º. Na primeira possibilidade de não ficar pendurado na cadeirinha eu me estarrei no chão e falei que dali não saia, descíamos ou continuaríamos no outro dia. Só que a primeira opção não estava nos planos do Bruno. Não deu nem nega, ajeitei umas pedrinhas, coloquei o anoraque ao anoitecer e encaixei o osso do quadril pra doer menos.
Visual do platô 


Acordava com um frio do caramba na madruga e o dia não raiava, e não raiou antes de começarmos a escalar pra esquentar. Faltavam mais 600m de via então o melhor era sair ainda na madrugada pois pra descer eram 21 rapeis de mais de 60m e ainda tinha 2080km de estrada pra voltar e estar em casa ainda na segunda pra trabalhar na terça e já era domingo.

Foi mais um dia de sol rachando, faltando água e catando das bromélias gigantes que tinham pelo caminho pra não desidratar. E a escalada continuou linda, canaletas gigantescas de doer o punho de tanto se empurrar pra cima, parecia um tobogã, com cristais polídos no meio te obrigando usar somente as laterais. Algumas cordadas eram fácil de se perder devido as poucas proteções e escondidas, deixando a escalada ainda mais picante e divertida e assim foi.
    Divina liberdade foi a via mais longa que escalei até hoje. Um big wall alucinante que te dá o prazer de escalar uma parede tão longa totalmente em livre mas que não cessa nunca. Várias cordadas de sexto grau até o fim com proteções longas fritam a cabeça, onde apenas 6 costuras e 2 peças móvel são o suficiente pra escalar toda a via. Uma verdadeira e divina liberdade de curtir a montanha da melhor maneira possível, escalando ela.
Bruno tentando na P16 lendo o croqui.
  Ah e o treinamento pra Patagônia. Pseh, a mente reagiu bem, mas o corpo precisava de muito mais preparo pra indiada. Liguei pra minha gerente na terça feira as 7 da manhã ainda em Joinville, a 5 horas de casa. Cheguei em casa ao meio dia, passei uma água no corpo e fui direto pro trampo ficando até as 8 da noite no num stop, melhor estilo patagônico. Porque se puxar e ficar forte basta treinar alguns dias ou mês. Mas aprender a conversar consigo mesmo e manter o controle é uma batalha eterna.




   
 










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