terça-feira, 13 de outubro de 2015

Salinasss

...saímos da serra dos órgãos depois de ter escalado a Agulha do Diabo, Verruga do Frade e Dedo de Deus, já estava de cabeça cheia, satisfeito e com a boca na orelha das boas escaladas dos últimos dias no Rio e Órgãos mas as grandes paredes ainda estavam por vir. Descemos do Dedo de Deus e de lá partimos direto para 3 picos no final de tarde. Chegamos no refúgio do Tartari a noite, mas pelo caminho, ainda de dia, passamos por Torres de Bom Sucesso que impressiona qualquer escalador pela imponência.
Refúgio do Mascarin.
   Dia seguinte foi para se acomodar e "descansar", levar os bagulhos pra cima e separar os equipamentos para a próxima escalada. As escaladas dos dias anteriores foram perfeitas para se aclimatar, estava bem psicologicamente, diferente de quando cheguei no Rio, e bem confiante pra enfrentar as grandes paredes dos 3 picos. Mas eu era marinheiro, ops, escalador de primeira viagem em Salinas, não conhecia sobre as vias a não ser a famosa Leste do pico Maior. Já tinha ouvido falar muito desta via, ouvi relatos de quem não conseguiu completar a via e teve que passar a noite fria na parede, (o cume está a mais de 2300m de altitude e é comum temperaturas abaixo de zero quando cai a noite) relatos de quem chegou no cume, mas a noite, e não conseguiu encontrar o rapel que por sinal não é brincadeira. O cume sempre vai ser a metade do caminho em Salinas.
   Como não conhecia quase nada e estava com o Bruno Alves que conhece bem a região e também me conhece muito bem sabia que o que ele iria propor era diversão garantida. Acordamos as 5 horas da manhã, a geada estava pegando forte, muito frio, as 6 estava começando a caminhada de 1 horas até a base da via Arco da Velha D4 6º VIIa E3 700m. 
    Me assustou quando ele convidou para escalar esta via e vi a graduação dela, 700m de 6º com crux de VIIa na décima terceira cordada sendo que são todas cordadas longas. Por sorte este VIIa era possível fugir pegando a via Decadénce Avec Elegance mas mesmo assim há um lance de VIsup na décima primeira cordada e outras passagens de VI em vários trechos da via, e trecho final da Decadence é bem chatinho, então...fomos mesmo assim pra ver de perto isso.
    O dia amanheceu com uma núvem baixa, um pouco estranha. Encontramos o Mascarin que falou não ter previsão de chuva, que a núvem ia dessipar no meio da manhã, normal. Beleza, entramos na via, primeira, segunda, terceira cordada e a núvem começou a engrossar, já começou a umidecer. Resolvemos sentar no platô confortável da P3 e esperar um pouco pra ver o que ia acontecer, estavamos rápidos apesar de perdidos nas 2 primeiras cordadas pois achamos a metade dos poucos pinos que tinham. Tinha como esperar um pouco e era mais seguro pois estávamos com uma corda de 70m apenas e a partir da P4 descer era praticamente impossível. Menos de 2 minutos depois que paramos começou a chover. Iniciamos o rapel e quando chegamos na base da via já estava correndo uma cachoeira da parede. 
   Dois dias depois quando o tempo melhorou estávamos lá, as 7:30h da manhã na P3 da Arco da Velha passando pra cima de uma núvem pesada que me deixou cabreiro até ver o céu azul acima dela e sentir o sol esquentar as mãos que estava um frio do caramba. Até ali é fácil, fizemos em simultaneo e dali em diante começa a ficar em pé.

Bem no crux da quarta cordada
Uma travessia longa e horizontal leva você para o início de uma parede com mais de 400m vertical, quase sem platô, um ou outro minúsculo, facinho voar 30m sem quicar na parede, mas quem quer voar 30m né. Da quarta cordada em diante seguimos a estratégia de revesar as guiadas para agilizar o trabalho com a corda. E foi da P4 que ví uma dupla na P2.

Quinta cordada da Arco da Velha
Quando você está naquela imensidão de granito a sensação que dá é que você não é nada no meio daquilo tudo, que estão sozinhos. Mas não é bem assim por aquelas bandas. Você estará sempre vigiado pelo Mascarin com sua luneta, o Tartari de binóculo e o Portela na sua cola, te olhando de baixo, vendo cada metro que você sai da linha. Diziamos que o Capacete e o Pico Maior era nossa TV, todos os dias íamos acompanhar a programação, hoje a programação é um trio na El Cabong no canal Capacete e uma dupla na Leste no canal Pico maior e naquele momento éramos a programação do dia em um dos melhores programas de Salinas.


Casas, Caon e Urbano na Arco da Velha, sétima cordada
    A escalada fluia naturalmente, e é o que tem que ser por lá, não dá pra ficar tenso, não tem a segunda opção ou irá passar perrengue com toda certeza. Desapegar de proteger é a solução e seguir a linha mais natural possível é o que te vai safar de fazer lances de VI em trechos de IV. Muitas vezes você sai escalando depois de clipar uma proteção sem ver a próxima, e não é difícil sair escalando até achar a próxima proteção e ver que já está a 10m da última e falta uns 5m para a proteção que acabou de encontrar. Neste momento é que rola a negociação entre seu corpo e sua mente e entre a sua mente e a sua mente e se estiver difícil de fechar negócio, se a escalada não flui, é melhor repensar, perder tempo negociando numa parede destas não é legal, a fria noite pode te pegar facilmente então o melhor é deixar fluir e só administrar a burocracia, metro a metro sem deixar aumentar os batimentos cardíacos mas sem parar de escalar, sempre subindo. (espera um pouco que vou passar magnésio pra continuar escrevendo).
    Estava fazendo a segurança de cima na P6 quando o Alexandre Portela colou na mesma parada, foi ali que vi quem era. Escalar com o conquistador da via o restante dela foi um prazer enorme, sua simplicidade contagia. A Arco da Velha foi conquistada no ano em que nasci, 1986, e um dos consquitadores estava ali, escalando ao meu lado e monstrando toda a sua maestria passeando pela via.
    Fomos seguindo a frente até ele nos ultrapassar quando pulou a P9 parando direto na P10 abaixo do crux chave da via. Seus movimentos foram estudados a full passando o lance e sua dica ficou martelando na cabeça. "Se você entrar certo no lance não chega a ser um sexto grau, mas se errar vai ser um sétimo garantido".
Daniel Casas chegando no crux da Arco da Velha, décima cordada
Neste lance a proteção fica a uns 4m abaixo do pé em diagonal pra direita e a sensação de um vazador abaixo é impressionante, um vazio pra sua esquerda e toda a parede pra sair ralando pra direita. Foi ali que toda minha segurança inicial se acabou, passei a ponta da corda pro Bruno que não pensou duas vezes e tocou o lance sem hesitar. Quando cheguei na próxima parada o Bruno já estava aguniado, "vamo vamo que eles partiram e sumiram depois da aresta". O Bruno já estava pronto pra sair guiando novamente pra não perder o Portela de visão pois esta cordada é uma travessia muito exposta e sem visão, uns 25m horizontal sem proteção passando por uma aresta logo nos primeiros 5m de travessia onde o guia some para trás. Guiar ou ir de segundo não muda nada, o vazio do negativo acima do crux que agora está abaixo do seu pé suga toda a sua energia pra não cair. Quando saí de segundo a corda fazia uma barriga uns 2m para baixo, ai não tem jeito, você aperta em qualquer cristal que aparecer.


Nereida, Eu, Bruno e Portela no cume do Pico Maior
   Chegamos no cume umas 3 horas da tarde, curtimos o visual, eu, Bruno, Portela e Nereida que estava dividindo a corda com o Portela e iniciamos a descida pela Silvio Mendes chegando no chão ainda de dia.
    Se quando entrei na Arco já estava de cabeça feita imagina depois. Mas é impossível não escalar ficando num lugar daqueles.
   O Bruno partiu para a Pedra Riscada em MG com a Nereida e como eu tinha um voo marcado 4 dias depois tive que ficar em Salinas.
  Mas antes disso acontecer chegaram as meninas do Sul, Luana, Mônica e Daniele. O Bruno escalou com a Dani ainda no dia seguinte da Arco antes de partir pra Minas. E eu, no dia seguinte, entrei na Sólidas Ilusões D3 V VIsup E3 450m no Capacete com a Luana. Ela estava um tempo parada, e apesar de ser uma ótima escaladora e experiente resolveu ir toda a via de segundo, para a minha alegria, rsrs. A Sólidas é uma via que aconselho pra todos amigos, linda demais e é uma mini Arco da Velha, lances em pé, vertical mesmo e esticado, quanto mais vertical mais estica, um verdadeiro teste cardíaco.
Quarta cordada da Sólidas Ilusões
    Mas ai chega mais uma galera do sul, uma verdadeira invasão sulista e ai, eu como um eximio sulista, adentrei a trip Jamaica Stile que veio de carro e falaram pra abandonar o voo e voltar com eles, ráá, não deu nem nega, fiquei mais uma semana em nos 3 picos.
 A trip que parecia ter chegado ao fim deu mais um up e rolou mais umas boas escaladas e caminhadas. Primeiro fui para a Cabeça do Dragão caminhar com o Reginaldo Carvalho enquanto Daniel Casas, Rafael Caon e Alexandro Urbano estavam na Sólidas. Papo vai, papo vem e rola o papo, "vamos escalar o que amanhã?" o Regi nem pensou, "Leste, vamos?".
Cabeça de Dragão em dia de descanso

Mais uma vez no cume do Pico Maior, desta vez com o Reginal Carvalho
  Mais uma vez estava lá, as 7:30 horas da manhã iniciando a primeira cordada da Leste. O Regi também estava um tempo parado e pediu pra ir tocando, fui com todo o prazer num clima animal, uma parceria muito boa e de alto astral, varando cordada por cordada esticando até a corda acabar, saindo em simultâneo, se perdendo, parando em via errada, voltando, subindo reto onde tinha que atravessar, desescalando e mais uma vez estava no cume, mas desta vez mais cedo, 13:30h.
    Mas não parou por ai, entrei na CERJ D3 5º V (A0/VIsup) E2 400m no capacete com o Rafael Caon, um verdadeiro passeio, só que não, na verdade não existe passeio em Salinas, nada é de graça e qualquer escalada é comprometida, E2 é só pra não dar o braço a torcer pros Cerjianos que costumam encher de grampos as fendas perfeitas que por sinal não usei.


Daniel na Fata Morgana
    Ainda em bom clima de escalada, num alto astral  com os sulistas dominando Salinas na trip Jamaica Style entrei na Fata Morgana D3 5º Vsup E3 400m com o Daniel Casas, uma bela escalada, linda, picante com lances estranhos, exposto como tudo por lá onde me coloquei em cheque mate numa bobeira de erro de leitura que quase me levou a uma queda de mais de 20m gatantido com um platô abaixo, seria feio demais. Em todas as escaladas da trip este foi o lance em que realmente ví que ia dar B.O. Mas deu de recuperar e voltar pra linha com o suor já escorrendo no rego.
Urbano na Roberta Groba
     Já no último dia da trip estava de boa, no banheiro por sinal, já consiente que não ia mais escalar, quando o Casas e o Urbano gritam, "bóra Filipe pra Roberta Groba (D3 5º Vsup E3 400m)" Eles estavam saindo já, prontos. Sai correndo com as calças na mão pegando cadeirinha, sapatilha, tropeçando no cordelete, colocando o capacete de trás pra frente. Me perdi na trilha e quando cheguei na base da via, num suador, ví que cheguei antes deles que se perderam também, kkkkkk. No fim a última via da trip, pra mim, foi a mais chata, uma aderência do caramba, perfeita pra colocar qualquer escalador de arenito fendado no apavoro. Mas foi um verdadeiro aprendizado.
   Terminei a trip Rio somando mais de 4km de escalada. Segue a relação, porém creio que algumas infos estão erradas pois não lembro de todas as graduações e metragens.

Chaminé Galotti D3 5º Vsup/A0 E3 280m Pão de Açucar
Passagem dos Ólhos D1 3º IV C E2 150m Pedra da Gávea
K2 D1 4º V E2 150m Corcovado
Secundo Costa Neto D3 5º VIIa E3 270m Pão de açucar
Agulha do Diabo D2 3º IIIsup C E3 250m
Verruga do Frade D1 3º IIIsup A0 E3 60m
Leste D3 3º IIIsup E2 250m Dedo de Deus
Arco da Velha D4 6º VIIa E3 700m Pico Maior
Sólidas Ilusões D3 V VIsup E3 450m Capacete
Leste D4 4º V VI/A1 E3 700m Pico Maior
CERJ D3 5º V (A0/VIsup) E2 400m
Fata Morgana D3 5º Vsup E3 400m Capacete
Roberta Groba D3 5º Vsup E3 400m Capacete

Aproximadamente 4400m de escalada e pura diversão

 















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